Entrevista: Richard Uchoa
CEO da Revvo
Liderança é um assunto pelo qual sempre fui apaixonada. Desde que assumi minha primeira liderança, cheia de temores e dúvidas, decidi ser uma pessoa e uma profissional melhor para cuidar das pessoas que estivessem comigo no time, fazendo com que se sentissem parte de algo que realmente fazia sentido para elas, dentro de um ambiente saudável.
Assim, ao longo da minha caminhada, de quase trinta anos, observando líderes, buscando mentores, ouvindo meus times, não tenho a menor dúvida que o líder faz total diferença dentro das empresas, para o bem e para o mal. Então, para refletirmos mais sobre esse tema, de tanta relevância, tive o prazer de conversar com Richard Uchoa, CEO da Revvo, a quem acompanho há algum tempo e por quem tenho profunda admiração, principalmente pela forma como ele lidera as pessoas na sua empresa.
ENTREVISTA
Fabia: Em primeiro lugar, agradeço muito por bater esse papo sobre um tema pelo qual eu sei que você também preza e cuida muito. Então, você poderia explicar o que é liderança humanizada e quais são as principais características desse tipo de líder?
Ricard: Fabia, muito obrigado pelo convite. Para mim, a principal característica de um líder humanizado é ser um líder que tenha empatia. O líder que se coloca no lugar do outro e realmente tem um olhar a humanizado, né? Olhar humano para o seu liderado. E aí, com a empatia vêm várias outras características. Por exemplo, a escuta ativa, a comunicação, colaboração, segurança psicológica, o olhar para saúde mental e para a diversidade. Tudo começa a partir da empatia.
Fabia: Acompanho seu trabalho e vejo você como uma grande referência de liderança. Como você descreveria o seu processo até chegar no líder que é hoje?
Richard: Sobre meu modelo de liderança … então, isso é bem curioso. Só para dar um pouco histórico. Eu comecei a empreender quando tinha 26 anos, montei minha empresa. Minha empresa cresceu muito rápido. Fui de 0 a 60 colaboradores em 1 ano. Então, eu tive muito sucesso logo no começo. Só que depois, nos próximos 5 anos, de 2014 a 2019, mais ou menos, a empresa ficou andando de lado. A empresa começou a ter dificuldade, problemas e começou a encolher e a gente foi reduzindo de tamanho. Depois chegar em 60 colaboradores, no primeiro ano, 5 anos depois eu estava com 18 colaboradores. Então, eu fui investigar dentro da empresa, fazendo pesquisa de clima, para saber qual era o problema e o que a gente tinha que fazer. E eu ouvi muitas críticas sobre a liderança, que basicamente eram de mim, falando que era uma liderança que só queria saber de resultados. Nunca fui um líder agressivo, nem desrespeitoso, nem questão de assédio, isso não. Isso não é meu perfil. Mas, eu era um líder que não queria saber das pessoas. Só queria saber de resultado e estava mais preocupado com resultado da empresa, metas e prazos, do que com as pessoas. Depois que eu fiz essa pesquisa, eu vi que o problema era eu … eu era o motivo da empresa não crescer. Foram 5 anos desligando pessoas, 5 anos tendo problemas financeiros na empresa. E esse foi o momento em que eu decidi mudar o meu estilo de liderança. Foi o momento em que eu fui primeiro buscar formação. Fiz cursos, participei de eventos de liderança, busquei até MBA, que não serviu para nada, mas busquei. E fui buscar uma transformação. Comecei a participar de organizações de empreendedores. Enfim, fiz uma busca profunda de transformação e fui mudar o meu estilo de liderança e isso foi em 2019. E foi fundamental, porque logo depois veio a pandemia, onde a gente teve que mudar novamente o estilo de liderança, porque empresa era 100% presencial, depois foi para 100% remoto. Até hoje a empresa é 100% remoto. Mas, por causa da mudança do estilo de liderança, com a implantação da liderança humanizada, a empresa conseguiu voltar a crescer. Então, foi muito o que eu percebi, parece clichê, né? Mas, se você cuida das pessoas, eles cuidam da empresa. Quer dizer, elas cuidam do cliente, e o cliente cuida da empresa. Então foi muito essa linha que a gente fez. E as ações que a gente implementou foram primeiro ter esse olhar de empatia e muito treinamento. A gente começou a investir em treinamento para os colaboradores, começou a pagar pós graduação, inglês, aumentamos benefícios, as pessoas indo para casa. A gente mandou máquina para casa das pessoas. Para quem precisava mandamos cadeira, mesa, pagamos vale internet para todo mundo, implementamos Gympass. Enfim, aquele pacotão que todo mundo adora. E aí, naturalmente, os resultados vieram. A gente foi, de 2019 a 2022, de 18 para 200 colaboradores. Faturamento também aumentou umas 5, 6 vezes, 7 vezes. Então o resultado veio e muito atribuído à mudança de modelo de liderança e como a gente trata os nossos colaboradores. Isso fez com que a gente conseguisse ter um atendimento melhor, ter serviços melhores. A qualidade melhorou e o cliente vem reconhecendo isso com o tempo.
E aí, como resultado, em 2022, a gente foi certificado, pela primeira vez, como Great Place to Work. Então, imagina o que antes eu chamava de worst place to work (pior lugar para se trabalhar), em 2018, mudou para Great Pleace to Work, onde nós ficamos ranqueados entre as 50 melhores empresas para se trabalhar. Agora, em 2023, ganhamos o selo de novo, mas ainda não saiu o ranking, então ainda não sei em qual posição estamos. Então, o resultado não veio só no financeiro, não só em crescimento, mas de um certo reconhecimento dos próprios colaboradores, já que são eles que respondem essa pesquisa, nos colocando em situação totalmente diferente do que aconteceu na pesquisa interna de 2019, onde as pessoas apontaram a liderança e a cultura como o maior problema da empresa.
Fabia: É uma trajetória realmente incrível. E, além de todas essas mudanças, o que você acredita que tem sido fundamental para os ótimos resultados do seu time e que pode servir de inspiração para outros líderes?
Richard: O que foi fundamental para os resultados foi ter uma liderança preparada para os desafios da empresa. Eu sempre falo isso para mim, qualquer empreendedor tem que saber que tudo que acontece na empresa é responsabilidade dele. Então muitos empreendedores ou CEOs terceirizam a culpa: “foi fulano ou ciclano que fez isso”. “A cultura é assim por causa daquilo”. Não. Ele tem que assumir a responsabilidade pela cultura e pelas pessoas que ele tem, porque o CEO ou o empreendedor, no último caso, tem autoridade de demitir as pessoas. Então, se ele vê um problema dentro da empresa, não faz nada ou fecha os olhos, ele está, aos poucos, criando uma cultura tóxica na sua organização. Então, eu vejo que ele tem que assumir a responsabilidade pela cultura. Para mim o maior aprendizado foi isso: o CEO é o responsável pela cultura. Eu sempre falo que o C de CEO significa cultura e se ele não assume isso e terceiriza essa função ao RH, está sendo ausente e autorizando a cultura tóxica, que vai trazer resultados ruins, vai trazer burn out e diversas outras coisas. Mesmo que ele ache que não tem um perfil ou não goste, se está nessa cadeira, não tem jeito, você vai ter que ser responsável pela cultura. Acho que a principal mensagem é essa: o líder tem que ser o responsável pela cultura da empresa.
Fabia: E como um líder pode desenvolver as habilidades e competências dos membros da equipe e encorajar seu crescimento pessoal e profissional?
Richard: Para desenvolver competências de liderança ou da equipe não tem jeito: tem que investir em treinamento e educação. E isso é um problema de muitas empresas. Elas não fazem isso. Elas acham que as pessoas vão chegar prontas e não chegam. Até porque liderança, empatia, comunicação, gestão de tempo, tudo isso que a gente vê de problemas de soft skills, que são habilidades comportamentais, nada disso é ensinado na escola ou na faculdade. Então, como você espera que um colaborador seu vai chegar lá sabendo como dar feedback, como gerir pessoas, como fazer tudo isso que eu comentei agora. Ele não vai saber. A única forma é investindo em educação, em treinamento. Eu gosto muito da frase do Henry Ford, que dizia que se você acha que você pode investir no treinamento do seu colaborador e você está preocupado em ele sair, pior é você não investir e ele ficar. Eu vejo muito esse receio de investir nas pessoas e achar que elas vão sair. Pior é você não investir e elas ficarem.
Fabia: E, além de todos os desafios que vêm junto com a liderança, ainda vivemos muitos momentos de mudança e incertezas. Como você acredita que o líder pode inspirar e manter a confiança da equipe nesses momentos?
Richard: Eu acho que a primeira mudança que o líder tem que fazer é saber que ele não precisa ser o líder que tem todas as respostas. Ele não precisa ser aquele cara forte, que dá direcionamento, que tem respostas. Ele pode mostrar vulnerabilidade. Ele pode mostrar que ele não sabe, mas vai buscar saber. E ele tem que ser um líder que faz mais perguntas do que dá respostas. Porque quando você está no momento de incerteza, o líder que dá respostas, que define tudo, é um líder que não está escutando. E como as incertezas e as mudanças trazem mudanças rápidas, que ele não está acompanhando tudo que acontece no mercado e no mundo, se ele não faz perguntas, ele certamente vai tomar decisões erradas e é aí que entra toda questão da liderança humanizada. A empatia, que vai trazer o poder da escuta ativa, que vai poder incluir pessoas, que vai ter a diversidade, ouvir pessoas com visões, mundos e realidades diferentes. Nesse momento, a liderança humanizada é mais importante ainda, porque permite que ele envolva mais pessoas, as desenvolva e trabalhe a confiança delas. Quando você entra numa empresa com a cultura tóxica, imagina um ambiente onde ninguém fala com ninguém. Tem uma competição para subir, um puxa o tapete do outro. Se você tem essa cultura e o ambiente está mudando, você tem uma pessoa na ponta que observa uma mudança importante, mas ela pensa “eu não vou levar isso para o líder, porque se eu não falar, ele pode cair, eu posso assumir o lugar dele”, nesses ambientes ultra competitivos, onde você tem bônus ultra agressivo, você cria problemas em termos de colaboração e de comunicação na empresa. Todo o clima é afetado quando você tem esse ambiente. E aí, em um lugar de muitas incertezas e mudanças, isso pode destruir uma empresa. Se você pegar o caso da Americanas, ali é um caso clássico de cultura. Cultura super agressiva por resultados, onde maquiaram o balanço da empresa, por anos, só que, a partir do momento em que o cenário dos juros mudou, com a guerra da Ucrânia, chegou o novo CEO e fala que aquilo ele não consegue esconder. Ele solta uma bomba e destrói uma cadeira de valor enorme, simplesmente por uma cultura da empresa que não permitia ter essa transparência, destruindo uma empresa que vale bilhões, por causa de uma cultura agressiva.
Fabia: Bom, antes de encerrarmos eu gostaria de agradecer pelo compartilhamento de sua experiência e conhecimento. Quero aproveitar e perguntar quais conselhos você daria àquelas pessoas que desejam se tornar líderes e estão se preparando para assumir essa missão?
Richard: Não ache que o cargo te dá direito a ser líder. Pode dar direito a ser chefe, mas não líder. Então busque curso, busque se desenvolver nessa área. Busque quais são as competências que você tem que desenvolver. E a principal coisa que eu falei no começo: busque empatia. Busque ouvir a outra pessoa e estar realmente ali para servi-la. Servi-la não quer dizer que você vai fazer tudo o que ela quer. Óbvio que não. Mas sim, você vai ouvir, vai raciocinar o que que faz sentido e o que não faz. Vai tomar uma decisão ouvindo e envolvendo as partes. Espero que tenham gostado desse papo repleto de reflexões e orientações muito relevantes para você que já é líder ou está se preparando para assumir essa missão incrível.
Até a próxima!